quinta-feira, 23 de agosto de 2012

As Roupas no Canto



Hoje acordei cedo. Aceito as risadas afinal você sabe mais que ninguém que odeio as manhãs, principalmente aquele cheiro que me invade as narinas, cheiro de partículas de noite que ainda perduram teimosas em meio aos raios de sol que as dissolve devagar como uma folha seca que é consumida pela terra molhada. Abri a janela, e diferente dos outros dias eu gostei, gostei das cores que rasgavam o céu que parecia novo, caminhei pela casa pisando devagar no chão, talvez algo involuntária, ou talvez fosse um hábito, uma rotina. Vi as roupas jogadas no canto do quarto que teimava em conservar a escuridão de horas atrás, pensei em arruma-las, mas passei direto em direção a estreita porta entreaberta, e por alguns instantes me olhei cuidadosamente no espelho redondo do banheiro pequeno, vi a barba por fazer e sorri sozinho, sei que você não gosta quando a deixo assim, nunca me deu um argumento concreto pelo desgosto, só diz que não gosta e tá dito e faz aquela cara meio autoritária que faz ferver meu sangue, mas logo em seguida me presenteia com um sorriso que força o aparecimento das covinhas nas bochechas, gosto delas são tão tuas. Lavei o rosto, mas como uma forma de pirraça, como você costuma dizer ,deixei que a barba lá se mantivesse, voltei ao quarto e coloquei um pouco de musica, na verdade a nossa musica, ela faz com que teus olhos mudem de alguma forma que ainda não consegui entender, e talvez nem queira entender alguns dos teus mistérios me encantam. Voltei às roupas largadas no canto, enquanto organizava senti nelas o teu perfume, e foi como se sentisse a tua presença, fechei os olhos e as lembranças não tão distantes me invadiram sem pedir permissão, afoitas e mimadas, me arrancaram mais algumas daquelas risadas bobas que esboçamos quando revivemos um anterior que perdura, abracei aqueles pedações de tecido que encobrem a vergonha que nós humanos exercemos sobre nossos corpos, estava à procura do teu toque, queria sentir tua pele, afagar os teus cabelos, sentir os teus sabores. Voltei à cama com as roupas nos braços, deitei e abracei como costumo fazer quando dormimos juntos, gosto de velar teu sono, parece tão frágil quando adormece, o cabelo faz um envolvimento negro esparramado sobre o travesseiro, gosto do contraste deles com a pele suave do rosto. Comecei a sentir aquele aperto no peito, e aquela vontade de sair correndo ao teu encontro sem me importar com os porens, as amarras, as grades invisíveis da vida. Lembrei-me de algumas de suas palavras, palavras insanas, aquelas que diziam que você cuidaria de mim mesmo que não precisasse ou que eu quisesse, me senti acolhido mesmo sustentando meu orgulho ao qual gritava que não precisava de proteção que já sabia viver. Tive  medo de me perder, de deixar os meus dogmas, algumas das minhas convicções, tirei pedaços de mim por você, ainda não sei se fiz certo, não quero pensar sobre isso, quero saber do agora, só isso, o futuro que venha depois. Me senti bem depois, porque sei que o corpo presencial está longe, mas parte do teu espirito habita em mim. 

sábado, 3 de março de 2012

Tópicos Tortos


Veio àquela vontade louca, sem nexo de falar algo. Aquela velha vontade de brincar com o mundo, mesmo sabendo que você é a criança sem dedos. Algo ainda precisa ser dito... Então vem uma avalanche de palavras e frases: Nasça,cresça, descubra, se decepcione, abrace, empurre, corra, pare, respire, sufoque, chore, ria, reflita, compartilhe, repare, ultrapasse, fique pra traz, ganhe, perca, trapassei com honestidade, Ame, Odeie, esmague, construa, destrua, lamente, sonhe, sinta o gosto, vomite, cheire, sinta o sol, carregue, deixe cair, transcreva, apague, crie, reinvente, emudeça, fale pelos cotovelos, limpe as vidraças, atire pedras, abrace, arranhe, faça sexo, dê, coma, lamba, soletre, cantarole, dance, caia de bêbado, cague, durma, desmascare, zombe, rasteje, voe, grite, sussurre, cante e encante, corte, cicatrize-se, minta com consciência, fale a verdade, desmaie, sinta vergonha, conheça, mande embora, lustre as máscaras, queime-as, peça perdão, não perdoe, tenha Medo, arrependa-se, dilacere o mundo com os dentes, olho por olho dente por dente, ganhe, brilhe, ofusque, vista, fique nu, pinte o cabelo, depois a alma, bata, morda, beije, masturbe-se, denuncie, mate, faça uma vida, nunca tenha um filho, fique doente, recomponha-se, acenda, apague, desmistifique, seja sombrio, soluce, não seja você, seja apenas você, escorregue, levante, revolucione, apodreça, e recomece outra vez.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Brilho Fosco

Falar em medo pode ser um pouco aterrador para mim, por isso prefiro usar a palavra receio, que não deixa de ser uma espécie de medo amenizado; então digo que tinha certo receio de me deixar ser absorvido pelo mundo, sofria por não permitir que o mesmo me tocasse, no entanto continuo padecendo por ter percebido que o tal sorriso era o brilho falso de um caco de vidro velho. Alguma coisa me alertava sutil, dizia que se eu me deixasse ver eu me habituaria a ele e por consequência acabaria descobrindo a sua não tão bela forma, e por mais uma forma torta de defesa acabaria por me afastar. E agora o que me resta agora? Nada mais que o questionamento: conviver com o cheiro podre da carcaça ou enterra-la de uma vez. Possivelmente eu consiga me acostumar com seu odor ou talvez deva deixa-la, deixar que ela própria se decomponha, isso um dia acontecerá? Quem sabe esteja sendo um pouco otimista. Abandonei-me, me guardei e esqueci onde. Voltar? Ou abraçar novamente a velha conhecida, amiga-inimiga, companheira solidão? Eu gosto às vezes do que ela me ensina, me ensina sobre mim como uma psicóloga abstrata diz quem sou e porque eu sou o que é bom pra mim, o ruim é que nem sempre me sinto bem com o que ouço. Talvez não consiga ou não deva abraçar o mundo com as pernas, e se não puder? O que então significa viver? Respirar, acordar, dormir, mijar e cagar? Será que é essa a definição de viver? De que me serve ser a mais bela obra de arte se não existe ninguém que possa decifrar-me? De que me serve ser aquela música se estão todos surdos?

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Garoto dos Sonhos


Olhas-me com essa sensualidade banhada em ternura
Beija-me com teus lábios, os quais roubam meu calor
Acalma-me com teu sorriso, e me eleva com teus sonhos
Abraça-me e sinto teu coração em sintonia com o meu
Sinto tua falta enquanto me deito, queria tua carne com a minha
Meus ouvidos choram por não sentirem a tua respiração
Descansa em minhas asas e me diz novamente que sou teu anjo
Envolva minha alma com tua doçura, dei-me um pouco dela
Ensina-me a sonhar garoto dos sonhos...
Diga-me como andar sobre as nuvens, como ser um sonhador
Leva-me na tua liberdade, acaricia meus olhos com tua beleza
Não a beleza suja dos homens, mas a beleza mais rara, a da alma.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Garoto do Balanço


E me sentia só, sempre com os mesmos movimentos repetitivos.
E me sentia preso, sempre com os mesmos risos sem importância.
O pequeno garotinho franzino sentado no balanço do jardim, esperando a companhia de alguém que nunca veio.
E me sentia sem rosto, sempre imaginando uma vida fictícia cheia de magia e esperança
E me sentia estranho, sempre falando sozinho enterrado em minha própria cabeça
O pequeno garotinho que queria ter asas para voar o mais alto que pudesse, queria ser especial.

E me sentia feio, sempre com a mesma expressão catastrófica.
E me sentia frio, sempre com a mesma saudade de uma vida que nunca vivi.
O pequeno garotinho que viu o sangue sair dos pulsos até não sentir mais aquela absurda dor que não tinha nome.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Vida Vadia


Andávamos os dois, sujos e fedendo a todos os tipos de bebidas que se pode imaginar. Ela descalça com os sapatos vermelhos nas mãos, os “red shoes” como ela mesma costuma dizer. Cambaleava, sobre a rua esburacada, mal iluminada, e sorria sempre, quero dizer gargalhava freneticamente o que deixava evidente os resquícios de pó que teimavam em resistir no seu belo nariz afilado. Não entendia o porquê das gargalhadas e isso começou a me irritar. Ela usava saia de escocês com um grande cinto com uma grande e brilhante caveira de metal. O rosto sujo de maquiagem borrada, os cabelos desalinhados pintados de vermelho, nos braços algumas manchas de corte, nos pulsos, na certa já fez o velho ritual... A blusa rasgada deixava escapar o seio esquerdo, que se projetava e pulava com os seus freqüentes tropeços.  De repente me enfureci com aquela figura decrépita, uma pobre vadia louca, senti vontade de estapeá-la, jogá-la ao chão, mas sabia que não seria possível infelizmente eu já conheço a sua maldita força. Não a repúdio essa é a tal da VIDA uma cadela de rua! Acho melhor me juntar a ela e como dizia a sabia Hilda Hilst: a vida é liquida!

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Doce Novembro


Embriagar-me-ei nos teus risos absurdos
Desdenharei do tempo, tão plebeu
Derramarei-me no teu corpo como balsamo perfumante
Mostrarei-te meus olhares de ave de rapina
Sim, consigo decifrar tua alma transparente
Beijar - ti- ei com o vigor escrachado de sempre
Inferirei-te minha adocicada peçonha
Amaldiçoarei os que te odeiam e abençoarei os que te amam
Expor-ti-ei o júbilo deslumbrante dos meus sonhos
E marcarei teu espírito com minha assinatura
Estarás sempre em mim, fazendo parte de mim
O tal, menino de olhos tristes e sorriso bem aventurado
O tal, Doce Novembro.